Rostos
É o que está a fazer também uma colega minha de laboratório que está prestes a partir por três ou quatro anos para um novo país em busca de uma realização que parece conseguir obter com o trabalho.
Por isso o final do dia de hoje foi diferente. Saí do Instituto já de noite e em vez de vir para Lisboa, como habitual, fiquei por lá perto, mais perto do mar. Fui a uma festa de despedida com as pessoas da minha ala. Uma festa à qual cheguei sozinho e na qual me encontrei com rostos. Sim, rostos. Rostos que se cruzam comigo todos os dias enquanto percorro os laboratórios; rostos que reconheço, aos quais digo bom dia e até amanhã, e aos quais esboço sorrisos, mas que não são mais nada do que simples traços de feição. São rostos que identificam identidades às quais vou atribuindo nomes, mas que para mim são desconhecidas.
E assim permanecem, mesmo depois de sete meses, desde que voltei para o Instituto. É isso que de certa forma me parece estranho. Normalmente sou reservado quando não conheço as pessoas e mantenho uma certa margem mesmo que inconscientemente, talvez para não me deixar expor demais, por defesa. Mas costuma haver uma altura em que quebro essa barreira e me deixo dar mais, aos poucos, nem que seja para partilhar o meu sentido de humor. É essa barreira, que para algumas pessoas é uma questão de horas, que com estes, ou estas, colegas, no geral, não se quebra.
Penso que se calhar vivemos em mundos demasiado diferentes. Ouço conversas, vejo brincadeiras e não me identifico. Sabem-me a nada, e apetece-me manter tudo assim com a distância de quem fala com respeito, de quem houve se for preciso, mas que não me expõe, nem se estende para além daquilo que é uma relação cívica e de trabalho.
Acho-o frio, mas sinto-o necessário, embora estranho.
Já falei diversas vezes disto com amigos e nunca percebo a que conclusão certa devo chegar. Só sei que esta situação me faz sentir todos os dias que há pessoas que hão-de passar sempre umas pelas outras sem se tocarem…
Mas não pensem que a festa não foi boa. A noite foi avançando e, com o tempo, depois da preparação do jantar e das barrigas cheias, acabamos por ficar em número cada vez mais reduzido. Ficaram apenas aquelas pessoas que mais me cativam e com quem mais me abro ou poderei vir a faze-lo. Pessoas que deixam cada vez mais de ser apenas rostos, para passarem a ser alguém que é um prazer encontrar e com quem é um prazer trabalhar.
Ainda me fartei de rir. As conversas deram muitas, muitas voltas. Falámos de experiências, de férias, de aventuras, e quando no início da madrugada voltei para casa, trazia comigo um sorriso.
E foi com esse sorriso que acho que aprendi. Foi talvez com ele que consegui tirar uma conclusão. Se temos à nossa frente cem pessoas diferentes, nunca iremos tocar nem ser tocados por todas, mas há sempre aquelas que têm um brilho que as distingue e que nos atrai. O importante é que, com aquelas com que simplesmente nos cruzamos sem nunca nos tocarmos, nunca nos deixemos, sem querer, colidir.
Beijinhos!