sexta-feira, setembro 02, 2005















Foi no segundo dia que começámos realmente a caminhar a sério. No primeiro acabamos por fazer apenas cerca de 5 - 7 km muito intensos até chegarmos ao albergue de Melide, o nosso primeiro ponto de paragem. Foram basicamente uns quilómetros de aquecimento que serviram para que pudéssemos ser considerados como peregrinos e pernoitar. =)
O albergue era pouco acolhedor, mas nós precisávamos apenas de um pequeno espaço onde conseguíssemos dormir os 9. E claro que conseguirmos fazer desse espaço, um espaço cheio de partilhas e de sorrisos. Entre as massagens, a leitura de um ou outro textos soltos e o meu novo corte de cabelo [sim, os meus queridos amigos cortaram-me juntos o cabelo com canivetes, tesouras de cortar unhas e uma outra que praticamente não cortava], foi constante o nosso clima de boa disposição. Sorrisos profundos que, em parte, nos ajudavam também a prepararmo-nos interiormente para uma caminhada em que nos propomos também a algum amadurecimento interior.

“No planeta do principezinho, havia como em todos os planetas, ervas boas e ervas daninhas. E por conseguinte boas sementes de ervas boas e más sementes de ervas daninhas. Mas as sementes são invisíveis. Dormem no segredo da terra até que uma delas se lembra de despertar... Então espreguiça-se e lança para o sol, de início timidamente, um encantador rebento inofensivo. Se se trata de um rebento de rabanete ou de roseira, podemos deixá-lo crescer à vontade. Mas no caso de se tratar de uma planta daninha, é necessário arrancá-la imediatamente mal formos capazes de a reconhecer. Ora, existiam sementes terríveis no planeta
do principezinho... eram as sementes dos embondeiros. O solo do planeta estava infestado delas. Ora, se não arrancarmos o embondeiro a tempo nunca mais nos conseguimos desembaraçar dele. Atravanca o planeta todo. E se o planeta é demasiado pequeno e os embondeiros demasiado numerosos, fazem-no rebentar. «É uma questão de disciplina», dizia-me mais tarde o principezinho. Depois de tratarmos do asseio matinal é preciso tratar cuidadosamente do asseio do planeta. Temos que nos dedicar regularmente a arrancar os embondeiros mal os distinguimos das roseiras [...]”
Saint-Exupéry
O Principezinho, V

E foi pensando também nos embondeiros que queríamos arrancar do nosso próprio planeta que começamos então a nossa etapa de cerca de 30 km que nos afastava do nosso segundo albergue, o albergue de Santa Irene.
Como devem imaginar, debaixo de um sol quente e andando pelo meio da floresta [como nós dizíamos], nem sempre foi fácil para todos fazer algumas das etapas do percurso. Por vezes queixavam-se os pés, outras queixávamo-nos nós por causa da sede… mas o caminho foi todo feito em grupo entre brincadeiras e os momentos preparados pela Joana, com muitas fotos, muitas músicas que íamos cantando e muitas conversas que iam surgindo. Entre as vacas que iam passando e as pessoas com que nos íamos cruzando, a quem íamos sorrindo e cumprimentando.
E tem tudo tanto mais sentido quando nos mantemos assim sempre unidos em grupo. Quando encurtamos o passo se um de nós não está a conseguir ir ao mesmo ritmo; quando paramos todos se um de nós precisa de descansar. Porque é esse que penso ser o sentido de união e de grupo; porque é apenas juntos que vale a pena chegar à meta.

“Depois de andarmos horas em silêncio, a noite caiu e as estrelas começaram a iluminar-se. Avistava-as como num sonho, já com um pouco de febre, por causa da sede. As palavras do principezinho dançavam na minha memória:
- Então tens sede, também tu? Perguntei-lhe.
Mas ele não respondeu à minha pergunta. Disse-me apenas:
- A água também pode ser boa para o coração...
Não compreendi a sua resposta mas calei-me... Sabia bem que era preferível não o interrogar.
Ele estava cansado. Sentou-se. Sentei-me perto dele. E depois de um silêncio, disse-me ainda:
- As estrelas são belas, por causa de uma flor que não se vê... [...]
- O deserto é belo, acrescentou ele.
E era verdade. Gostei sempre do deserto. Sentamo-nos sobre uma duna de areia. Não se vê nada. Não se ouve nada. E no entanto qualquer coisa brilha em silêncio...
- O que torna belo o deserto, disse o principezinho, é que ele esconde um poço em qualquer lado...
Fiquei surpreendido por compreender de súbito o misterioso brilho da areia. [...] A minha casa escondia um segredo no fundo do seu coração...
- Sim, disse eu ao principezinho, quer se trate da casa, das estrelas ou do deserto, o que faz a sua beleza é invisível!
- Estou contente, disse ele, por estares de acordo com a minha raposa. [...]
Estava comovido. [...] «Aquilo que vejo não passa de uma casaca. O mais importante é invisível...» [...] «O que me comove tanto neste principezinho adormecido, é a sua fidelidade a uma flor, é uma imagem de rosa que brilha nele [...]»”
Saint-Exupéry
O Principezinho, XXIV

Ao fim de várias horas de caminhado a contemplar o brilho do que nos rodeava, chegados ao albergue de Santa Irene, pudemos filnalmente voltar a descansar todos juntos, tomar os nossos banhos e conversar um pouco com os outros peregrinos. Conhecemos uns Italianos muito simpáticos com os quais fomos inclusivamente jantar. Estávamos a chegar ao fim do primeiro grande dia de caminhada.
Para ficar para a história, só não posso e deixar de relembrar a senhora do restaurante que só faltou correr-nos à vassourada só porque lhe pedimos para nos vir atender numa altura em que, pelos vistos, estava com muito trabalho. Mas até essa experiência acho que foi importante. Um dos momentos d’ O Principezinho em que reflectimos na nossa caminhada, fez-nos pensar em pessoas que, neste nosso mundo, em alguns momentos da sua vida, se tornam secas, pontiagudas e salgadas.

“O principezinho subiu a uma alta montanha. As únicas montanhas que conhecera até aí eram os três vulcões que lhe chegavam ao joelho. [...] Não avistou nada além de agulhas rochosas bem afiadas.
- Bom dia, disse ele ao acaso.
- Bom dia... bom dia... bom dia... respondeu o eco.
- Quem são vocês? Disse o principezinho.
- Quem são vocês... quem são vocês... quem são vocês... respondeu o eco.
- Sejam meus amigos, estou só, disse ele.
- Estou só... estou só... estou só... respondeu o eco.
«Que planeta esquisito! Pensou ele então. É todo seco, pontiagudo e salgado. E os homens não têm imaginação. Repetem o que se lhes diz... O meu planeta tinha uma flor: era sempre ela a primeira a falar...»”.
Saint-Exupéry
O Principezinho, XIX

Como a Joaninha nos escreveu: “Esses planetas precisam da nossa vida, ternura e doçura! Mostremos a alegria de ouvir mais do que ser ouvido… […] Escutemos o que a nossa flor nos pede e nos diz! Precisa de ser regada? Podada? Alimentada? E não se esqueçam, tudo o que fizerem na vida, temperem-no com muito amor e imaginação”.
E foi isso que continuámos a tentar fazer. =)

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

FORÇA!
Sabes como isto é importante para ti (TI) e para os outros...
E aquilo que não deu ontem, hoje acaba por acontecer... mais uma vez se comprva que: cada coisa a seu tempo!! Estou a falar das fotos, caso tenhas ficado confuso!

Bj
:P

12:03 da tarde  

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