domingo, junho 19, 2005

A grave doença de estar sempre a pensar

"[…] Mas o Papalagui pensa tanto, que o acto de pensar se tornou um hábito, uma necessidade, e até mesmo uma coação. Vê-se obrigado a pensar continuamente. Só muito a custo consegue não fazê-lo e deixar viver todas as partes do seu corpo ao mesmo tempo. Na maior parte do tempo vive apenas com a cabeça, enquando que os sentidos dormem um profundo sono. Muito embora isso o não impeça de andar normalmente, de falar, de comer e de rir, permanece fechado na prisão dos seus pensamentos – os quais são os frutos da reflexão. Deixa-se assim dizer embriagar pelos seu próprios pensamentos. […] A vida do Papalagui faz lembrar um homem que vá de canoa a Savaü e que, mal se afaste da margem, pense: «Quanto tempo levarei daqui até Savaü?» E assim, põe-se a pensar, sem ver a risonha paisagem que vai atravessando. Depara-se-lhe então, na margem esquerda, o flanco de uma montanha, da qual já não mais desvia os olhos. «Que haverá ali, detrás daquela montanha? – pensa ele. – Alguma estreita ou profunda baía?» Tanto pensa, que se esquece de fazer coro com os jovens remadores; e nem sequer ouve os alegres gracejos das raparigas. Ainda mal passou a baía e a montanha, e já um novo pensamento o atormenta: «Daqui até à noite não irá haver tempestade? Sim, não irá levantar-se um temporal?» E ei-lo em busca de nuvens negras no céu límpido. Pensa e torna a pensar nessa tempestade que pode vir a desabar. Não desaba tempestade nenhuma, e assim chega, pela noite, a Savaü, sem o mínimo contratempo. Foi como se não tivesse feito a viagem, pois os seus pensamentos andaram sempre longe do seu corpo e da canoa. Mais valia ter ficado na cabana, em Upolu […]"

O Papalagui
Discursos de Tuiavii chefe de tribo de Tiavéa nos Mres do Sul

Eu cá nunca vou querer ser como este Papalagui! Às vezes somos invadidos por pensamentos que parecem não nos largar, mas não podemos deixar que eles tomem conta de nós. Só podemos ser verdadeiramente felizes se conseguirmos ter a cabeça aberta para apreciar cada oportunidade com que nos deparamos, para dar atenção aos pormenores e para nos conseguirmos entregar inteiramente ao que nos rodeia e a quem nos sorri. Só assim o mundo se dá a conhecer com todas as suas cores! =)